O Tempo do Sapo ou da Cobra?
Thiago Godoy
Diário de Cuiabá, 07
de agosto de 2010
Entre os dias 2 e 6 de Agosto de 2010, Cuiabá e algumas
cidades mato-grossenses testemunham um grande evento que abrilhantou ainda mais
a região, o Fórum IEL de Gestão Empresarial. Um dos palestrantes foi o designer
Hans Donner, que foi um excelente provocador de platéia, na minha opinião, com
proporções imensuráveis.
A palestra seria um momento motivacional ou para
conhecimento da história deste austro-germânico que chegou ao Brasil para ser o
melhor designer do mundo (em suas próprias palavras), se não fosse o seu
relógio. Isso mesmo. O relógio de Hans Donner mudou tudo em seu Fórum. O relógio
em questão chama-se Timesion. Ele deveria ser apenas um novo produto marcador
do tempo do designer! Mas não é.
Este que aqui escreve ficou tão impressionado que pronunciei,
de ontem (04/07) até agora, milhares de vezes que Donner não está no tempo
certo, ele não é de agora, mas está mais adiante que Singapura (o país mais
adiantado do mundo, segundo o designer). Os filósofos sobre os quais estudei me
deram várias horas de reflexão sobre o tempo (consumindo o meu), mas não me
recordo algum que mexesse mais com meus conceitos como ocorreu diante do amante
da (Glo)beleza.
O que é o tempo? É conceituação organizada de dados
mensuráveis? É sequência? Jean Paul Sartre que me ajude! Porém, Hans Donner fez
algo além disso: não conceituou o tempo, mas, ao apresentar seu Timesion,
restaurou nossa mais primitiva noção de tempo. Explico.
O Timesion tem como mote principal o fato de que o tempo
está inserido no ciclo do dia e da noite, coisa que todos os nossos
antepassados já viveram antes de Santos Dummont. Até aí, nada de novidade. No
entanto, é exatamente nesse fato que está a inovação. O tempo que conhecemos
são números. O Timension não tem número, mas posição, assim como a forma
empírica do tempo em nossa vida, pois, quando olhando a sucessão do dia e da
noite, nós fazemos a experiência cíclica do tempo. Quando olhamos em nossos
relógios, esse tempo não tem ciclo, mas sim saltos (dos ponteiros) ou números
organizados numa lógica de convenção. Se eu estivesse numa sala de aula, o meu
melhor estudante levantaria a mão e perguntaria “e daí? O que muda? Eu terei de
acordar às seis da manhã do mesmo jeito e aguardaria o fim da aula com o mesmo
ronco no estômago”.
Mesmo que ele tenha que fazer as mesmas coisas com o “relógio-sapo”
(que tem os ponteiros que pulam) ou com o “relógio-cobra” (que percorre o
ciclicamente o espaço) haveria uma nova maneira de rever o tempo, e digo rever
porque seria um olhar antigo retomado no presente. O que quero dizer é que nós
não mais temos um tempo como apontamento de qualidade dos dias, mas uma
angustiante marcação fragmentada que nos dita os passos e amassos da vida.
O relógio-cobra não tirará, por ele, o estresse da consulta
a que chego atrasado ou a reclamação do pouco tempo que tenho com minha
namorada antes que alguém chegue; não perderei a vontade de elevar minha mão
esquerda em direção ao queixo do desastrado atendente que me fez voltar em casa
para uma troca de roupa encafezada! Porém, não mais terei 24 horas, mas terei
um dia, não mais terei dez minutos para o fim da prova, mas terei a aproximação
do fim.
O relógio-cobra é a recuperação da vivência, é a libertação
das convenções perfuradas na história. Deixaríamos de brigar com o tempo, de
lutar contra o fim do nosso tempo, e teríamos tempo para perder tempo e, depois
encontrá-lo novamente. Não desejo ser portador de um dos oitocentos exemplares
do Timenson ainda, esperarei 2014 para tê-lo, mas desde hoje quero ter tempo e
não ser do tempo. Quero ter um sol que não me faça amargurar a espera do
Epitáfio, mas um dia que me faça suar, correr e não me mate em vida!
Temos de recuperar nossa relação com o tempo, deixando a
matemática opressora de lado. E, como dizia Berdiaeff, nosso valoroso tempo é o
existencial que não se escraviza nos números, mas se deleita na história
atravessando o Cronos sem se esvaziar e desumanizar.
Thiago Godoy é filósofo e educador
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