Pesquisar este blog

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Direitos Humanos na Fronteira


O que são Direitos Humanos? Essa é uma excelente questão. Poderíamos começar dizendo que são direitos, por isso, liberdades garantidas por sermos pessoas.
Refletir sobre a temática dos Direitos Humanos é um caminho de grande qualidade, em especial, quando o que está ao redor são movimentos que têm a intensão de desvalorização: como a não aceitação das diferenças étnicas, sociais, culturais, religiosas ou sexuais.  Na região de fronteira a discussão é ainda mais enriquecedora por conter o que é essencial à temática: pessoas e concepções variadas de culturas que avaliam a realidade.
A noção de Direitos Humanos está intimamente ligada à dignidade da pessoa e, na atualidade, ainda se pode adicionar a presença do Estado, ou seja, o poder público que deve exercer os seus serviços às pessoas para que elas possam viver plenamente e com condições essenciais para a qualidade de vida.
No entanto, refletir sobre o conceito dos Direitos Humanos é caminho longo, porém, marcado por conquistas e lutas iniciadas desde as primeiras civilizações, como o período de formação dos primeiros governos, instituições políticas, ou seja, desde a criação do Estado propriamente dito. Um dos principais momentos foi com Ciro, o Grande, no século V a.C, quando conquistou a Babilônia e declarou livres os escravos e promulgou a liberdade religiosa.
Na atualidade o Estado reconhece que a pessoa, por assim o ser, tem direitos que lhe são fundamentais e que impõe obrigatoriedade de obediência em cumprir tais diretrizes.
É necessário destacar que a dignidade humana (ponto mais elevado do valor da pessoa) é propriedade que jamais se perde, de modo lícito; mesmo se a pessoa estiver sem vida (cabe lembrar o cuidado de nossas sociedades com a memória e o próprio corpo dos falecidos). Essa noção de dignidade foi inaugurada pelo pensamento filosófico cristão, em especial a partir de São Tomás de Aquino (1225 – 1274) que desenvolveu de maneira mais completa a teoria da pessoa: “A pessoa é um ser singular, completo, incomunicável e distinto de qualquer outro ser”. A dignidade está na alma de todo pensamento da atualidade, como é na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, com seus trinta artigos.
Voltando ao espaço fronteiriço localizada entre Corumbá e Puerto Quijarro (Brasil e Bolívia) se poderia destacar alguns pontos: há, mesmo com tanta proximidade física, uma grande distância cultural entre brasileiros e bolivianos, esses últimos, muitas vezes vistos no ponto mais baixo da verticalidade. Outro destaque é a falta de conhecimento e valorização da história da constituição dessa região, já que há relatos da presença espanhola antes mesmo da fixação portuguesa por aqui. Mas a principal característica a se grifar é o fato de que se poderia aumentar a qualidade se houvesse mais respeito e conhecimento da realidade dessa fronteira. Haveria inclusive melhores condições para expansão das relações comerciais, para destacar um dos pontos que mais se dá importância na atualidade, ou seja, se os direitos humanos fossem guias das relações aqui estabelecidas, o intercâmbio seria uma arma de fortificação da liderança local, um essencial componente no desenvolvimento econômico.
Porém quando se trata de direitos humanos na fronteira poderia se dar um olhar ainda mais qualificador: o reconhecimento dos valores presentes nas pessoas, nas histórias e nas realidades dessa região. Esse processo é muito mais além da cordialidade ou uso de “adjetivos” na língua estrangeira (como o “nostros Hermanos”, muito presente em discursos públicos); ele é a consciência da existência da via dupla, ou seja, não é o Brasil o único lugar que oferece apoio, já que  também o recebe, se for levado em conta que é pela pequena ponte da fronteira que entra grande número de produtos que alimentam as fábricas brasileiras, sem esquecer do gás que gera energia no território nacional e intenso acesso a bens e serviços no comércio local brasileiro. E não se pode esquecer a facilidade de consumos produtos importados pela sociedade brasileira. No entanto, não é a economia a maior riqueza dessa região, mas a própria cultura riquíssima aqui existente. Um exemplo é nem saber da existência “De La Fiesta de los Muertos” muito celebrada na Bolívia que é vizinha e a mesmo tempo haver toda as alfaias para o “Halloween” importando dos EUA, que não se traduz ou interage com nenhuma expressão local, o que restringe ainda mais a força cultural.
Revitalizar e criar a vivência dos Direitos Humanos na região de Fronteira é ampliar os horizontes de intercâmbio intelectual, turístico, econômico entre outros. Afinal a Aldeia Global não pode ser utópica e ter apenas o Norte como acesso, há a necessidade de novos caminhos de interação para qualificação das relações sociais e humanas.
Viver efetivamente a dignidade humana é negar o desnivelamento entre as pessoas, classificando os “bons” e as “personas non grata”, por exemplo. Essa realidade toma vulto quando uma criança tem vergonha de “hablar” diante dos demais que falam em português; quando o cidadão não é respeitado por um funcionário público no atendimento; quando numa fila o direito ao atendimento prioritário é condicionado à nacionalidade, entre outras situações.
No processo de construção das sociedades humanas, as relações positivas e marcadas pelo respeito à dignidade da pessoa, permitiram evolução e conquistas de novos saberes, de alterações estruturais, criação de esferas sociais, para que houvesse harmonia nas relações com o meio e as pessoas.
A região de fronteira é território rico em diversidade cultural. É nela que se encontra os limites físicos do Brasil e da Bolívia e vai além da demarcação do fim das soberanias nacionais. É nessa terra que se desenvolve uma cultura rica em expressões, numa fusão criativa e ampla de relações expressas na língua, nas características físicas, na sofisticada culinária, na arquitetura, nas vestimentas, na estética, e em tantos outros aspectos da cultura.
Aqui é território de se viver a força de sermos pessoas, de construirmos história e fazermos a diferença. A natureza exuberante que partilhamos seria uma boa metáfora para nos inspirar: o rio Paraguai que é tão precioso ao Brasil, tem no nome a internacionalidade, o mesmo “serpenteador” do Pantanal está fertilizando as terras bolivianas e construindo poesias, histórias e canções que colorem o dia a dia além da fronteira, e nós não seguiremos nessa navegação rumo ao um oceano, que é sim, o destino para novas e reais conquistas?