Pesquisar este blog

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Educação sob olhares Cegos




Ao longo da história, a educação sempre se pautou em processos que lhe deram um caráter evolutivo ou de mudança. Em todos os tempos ela foi marcada pelas interferências da história, da cultura, da cosmovisão e de outros fatores. O que, podemos assim dizer, rendeu-lhe intensa riqueza e grande evolução.
Por meio de destaques de cenas e fatos do filme Vermelho com o Céu[1] quero fazer alguns cortes e comentar fatos que me revelam percepções da educação e a sociedade.
No presente filme, gostaria de comentar alguns fatores que me destacam nessa observação da concepção de educação e desmembrar em outros assuntos corelacionados.
Na realidade destacada no filme “Vermelho Como o Céu” quero avultar primeiramente a concepção de educação que subjaz em todas as relações desenvolvida no filme.
A história está vestida da década de 70, com uma Europa marcada ainda pela Guerra Fria, mas um período de intensas descobertas e novidades, além de grande contestações sociais. Isso destaca o fato de que, a educação já é vista como processo redentor (o que não é novidade em todas as sociedades advindas de períodos de necessidades, especialmente pós-guerras e revoluções). Essa é a Itália dos tempos de Vermelho como o Céu.
Quando o jovem Mirco, que perde sua visão num acidente doméstico,  é levado para escola, Instituto Cassoni, é recebido num meio tecnocrata, onde a função da educação é apenas treinar os estudantes – deficientes visuais –  para faculdades fabris e processos voltados a produção para a sociedade, algo que Paulo Freire chama de “Educação Bancária”, no caso do Instituto Cassoni essa estruturação era ainda marcada pela intensa rigidez disciplinar. Como versa Figueiredo:
Embora essas disciplinas reduzam em muito efetivamente o campo de exercício das subjetividades privadas, impondo padrões e controles muito fortes às condutas, à imaginação, aos sentimentos, aos desejos e às emoções individuais, faz parte de seu modo de funcionamento dissimular-se, esconder-se, deixando-nos crer que somos cada vez mais livres, profundos e singulares. (FIGUEIREDO & SANTI, 2007, p. 20)[2]

A estruturação rígida e voltada para a produção com certeza desenvolve uma visão obtusa e irreal da vida, já que a deficiência visual não é barreira intransponível, como revela-nos o próprio Mirco em sua história. O motivo da ida do jovem para uma escola especialmente elaborada para deficientes visuais é obrigatória por força de lei, que impedia que a escola convencional matriculassem-o.
O filme é ainda mais marcante por ser baseado em fatos reais. O que muda o eixo proposto no Instituto é o protagonismo de um professor, por sinal sacerdote, que percebe fatos idiossincráticos no jovem estudante. É ele quem permite que a criatividade e os anseios de Mirco pudessem aflorar, quando lhe revela o mundo criativo do cinema. É pelo mesmo professor que a ideia de Mirco, Felice e da pequena Francesca toma corpo e desvela a força da conquista de um sonho.
Enlaçando a ideia de uma educação redentora, quero exprimir o fato de que todo processo educacional, de per si, não é protagonista, mas antes, pode até contribuir para criação de miopia. Porém quando a educação se torna processo de desencadeamento de talentos, de animação (no sentido etimológico: a alma) ela ascende às novas perspectivas na vida das pessoas envolvidas, porém o caminho inverso pode acontecer se não for levado em conta que todo processo social envolve pessoas, suas particularidades e expressões internas e externas.
Outro fio condutor expresso no filme, que gostaria de destacar é em relação à sexualidade. Na história, Fracesca aparece como braço direito do protagonista, e se torna, por suas palavras: “fidanzata” (namorada) de Mirco.
A amizade infantil é acompanhada pela descoberta do outro que é masculino, este também se revela frente à moçoila que num primeiro momento aparece em meio a chacotas e proibições de relação.
O romance infantil não é precoce e nem fora da realidade dos protagonistas. Francesca descobre em Mirco a expressão de amor pela admiração, especialmente por, pelo que parece, ter encontrado um sonhador tão quanto ela. Já que pelo fato de ser filha de uma das colaboradoras da escola, tinha sua vida reduzida pela privacidade e a negativa de contato com os estudantes, pelo fato de serem meninos.
Francesca sonha ao lado de Mirco e revela-lhe os caminhos que permitiram que o mesmo descobrisse esse mundo desde muito cedo almejado, já que nas primeiras cenas, num diálogo com o pai, o jovem exprimia sua vontade de ter uma televisão. Esse encontro, com certeza foi motriz no despertar do jovem. Ela – de um lado com toda castração social da separação dos sexos, da distancia quase zoológica dos deficientes visuais e da dura disciplina desenvolvida pela mãe que não permitia o relacionamento com os estudantes, por medo de perder o emprego – foi descobrindo seus sonhos e anseios. Faço um destaque nessa relação: ela com a visão perfeita descobre, por meio do fascínio de Mirco, a beleza do cinema pelos sons. E lembrando que é ela quem revela o cinema ao jovem. Como se a história fosse um pouco irônica!
Assim como a educação e a severa disciplina marcam a vida do Instituto, a sexualidade é balizada pelas regras sociais. Basta que para isso se perceba a forma de primeira aproximação que Francesca realiza em Mirco: zombeteira e distante. E ainda a forma com que a mãe intervém, numa das cenas, na filha que está ao lado dos demais “atores mirins” e o diretor flagra-os.
Tanto a educação de cunho redentor tecnocrata quanto a segregação sexual marcam o fato de que é na sociedade que se forma o indivíduo. Essa expectativa de que a redenção ou a harmonia social seja adquirida pela pessoa é um passo errôneo, inclusive descrito por James Mill e questionado por Durkheim (1965:27).
Acredito que a crítica de Durkheim é amplamente aproveitada na realidade filmografada, já que a finalidade do Instituto era atender a harmonização social desses representantes, e não desenvolve-los em suas diversas potencialidades. Mesmo que o referido autor descreva a educação sob a finalidade social, é sabido que a pessoa é criativa e proporciona novas formas de vivencias de fatos repetidos.



Referências:

Filme Rosso come Il Cielo di Cristiano Bortone, Itália: 2004

DURKHEIM, Emile. Educação e Sociologia São Paulo: Hebra 2010 [1965]

FIGUEIREDO, Luís Cláudio M & SANTI, Pedro Luiz Ribeiro de. Psicologia uma (nova) introdução: uma visão histórica da psicologia como ciência. São Paulo, Editora Puc, 2007.

http://www.webartigos.com/artigos/vermelho-como-o-ceu-sociabilidade-e-subjetividade-o-individuo-transpondo-os-limites-sociais/11293/ acessado dia 24 de outubro de 2012



[1] Cristiano Bortone, Itália: 2004
 [2] Apud. http://www.webartigos.com/artigos/vermelho-como-o-ceu-sociabilidade-e-subjetividade-o-individuo-transpondo-os-limites-sociais/11293/ acessado dia 24 de outubro de 2012